Humanidades

31 de outubro: Dia do Saci
Modernidade e urbanização transformaram a cultura popular brasileira e relegaram ao ostracismo personagens como o Saci-Pererê ou a Mula sem Cabeça
Por Henrique Giacomin - 02/11/2025


Curupira, lobisomem, Saci-Pererê, todos habitam o campo e são heranças de um Brasil agrário – Foto: ASCOM Prefeitura de Votuporanga/Wikimédia


Dia 31 de outubro é o Dia do Saci. A data foi instituída no Calendário Oficial Brasileiro em 2013, por meio da comissão de educação e cultura, com o objetivo de dar visibilidade à cultura e ao folclore nacional. A escolha do dia 31 é proposital, ao ser realizada no mesmo dia da comemoração do Halloween, o Dia das Bruxas, como um contraponto à celebração.

A data nasce com a ideia de fomentar eventos e atividades que valorizem as tradições populares e folclóricas brasileiras. Embora a palavra “folclore” remeta a personagens como o Saci, Curupira, Boitatá, Boto-Cor-de-Rosa, Mula sem Cabeça, Negrinho do Pastoreio, corpo-seco, lobisomem e Iara, festas tradicionais também são consideradas manifestações folclóricas. As congadas, reisados, festas do bumba meu boi e do boi-bumbá e até mesmo as festas juninas entram nesse conjunto.

Imaginário popular brasileiro

Embora o folclore seja um imaginário popular tradicionalmente brasileiro, a modernidade e a globalização influenciam diretamente as crenças, costumes e hábitos de um povo. Sobre o assunto, Bruno Baronetti, pesquisador da cultura popular brasileira no Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, explica: “O Brasil passou por uma transformação gigantesca a partir das décadas de 60 e 70. O País deixou de ser majoritariamente rural e a gente passou a ser um país majoritariamente urbano, com uma desigualdade social imensa, um processo de desenraizamento constante dessas pessoas que saíam do campo, vinham para a cidade, perdiam suas origens, perdiam a sua história, os seus valores”.

Se antes, numa vida rural, a sociedade brasileira buscava explicar eventos por meio de lendas e mitos, hoje, com a ciência e a informação, há uma mudança no paradigma. Junto da indústria cultural as organizações sociais e a vida urbana promovem a substituição e encarnação de novas crenças e preocupações, influenciando diretamente nossas referências culturais e nosso imaginário. “Uma confluência de diversas matrizes culturais, africanas, indígenas, europeias, que foram se misturando aqui e geraram personagens icônicos. Curupira, lobisomem, Saci-Pererê, todos eles habitam o campo, são heranças desse Brasil agrário. Esse processo de urbanização, de globalização, essas histórias têm enfrentado um desafio de perder espaço desse imaginário popular, tornando-se menos presente na vida das novas gerações.”

O folclore morreu?

Embora as relações com o tradicional brasileiro se transformem, isso não significa seu fim. Baronetti destaca a diferença da presença das tradições nos diferentes territórios brasileiros. Nos grandes centros as práticas são mais difusas, mas existem diversas comunidades espalhadas pelo País que ainda preservam suas tradições. Há também uma transformação das tradições populares. Ao se fixarem nos centros urbanos, grupos vindos de outras comunidades tendem a reproduzir, nos novos ambientes, sua própria carga cultural. Um exemplo disso é a festa do Bumba-meu-Boi no Morro do Querosene, na região do Butantã.

Uma outra questão levantada pelo pesquisador é a mudança no consumo dessa tradição que, se antes era uma crença, hoje é abordada pelas lentes da cultura: “Há uma mudança de perfil também, de famílias tradicionais, que continuam mantendo essa tradição, e de outras famílias de classe média, de pessoas mais escolarizadas, que acabam trazendo seus filhos etc.”.

Um dos desafios, segundo o professor, é a valorização da cultura tradicional nas periferias: “Eu dei aula há algum tempo em Heliópolis, desenvolvi projetos de cultura popular. Você tinha uma galera que falava que isso era coisa de criança, porque tinha vergonha de fazer. Tem uma cultura do funk, que é valorizada, do hip-hop, que é muito bacana, mas é ligada também a tradições estrangeiras. Quando fala o Dia do Saci, Festa Junina, contação de histórias, de lendas, você percebe que há um afastamento, porque essa geração acaba não tendo acesso a isso, e quando tem é via escolarização”.

Transformações culturais

Se no passado o imaginário popular era uma crença, hoje ele se torna uma referência para a produção artística, turística e criativa nacional. Sua aparição na mídia, em histórias, livros infantis, festivais e eventos pelo Brasil— como em Joanópolis, a capital nacional do lobisomem, e a Sociedade dos Observadores de Saci em São Luiz do Paraitinga, que são um exemplo disso.

A valorização da cultura brasileira gera repertório e identificação nacional, além de engajamento cultural. “A gente tem a Semana do Folclore em agosto e a gente tem esse Dia do Saci como esse contraponto, quando vêm essas festividades de Halloween, Dia dos Mortos. Não quer dizer que elas são concorrentes, mas que elas podem caminhar juntas, paralelamente. Eu acho que isso é muito importante”, completa Baronetti.

 

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